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As cabras que morrem

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Como quando bebês aprendendo a falar, aprendi inglês não no cursinho da tradução, mas do jeito infantil orgânico. Apple para mim é apple, não é maçã. Até aqui quantas palavras estão neste texto? Conte e repare no sentido primeiro de cada uma para você e piscarás no teu cérebro uma sucessão de imagens e acionamentos de redes neurais: emaranhados mentais que dão sentido as letras. Letra , que no dicionário Michaelis define-se assim: - Letra: (sf); (1) cada um dos sinais gráficos que representam um fonema ou um grupo de fonemas e servem para registrar a oralidade em linguagem escrita. Com exceção talvez da própria Henriette Michaëlis, ninguém guarda na mente essa definição do que significa "letra". Cada um é só, na forma como define o que é "letra" e qualquer outro substantivo. O significado das coisas depende da olhar do significador, mas tem hora que acho faria bem cada um ter um Michaelis fincado na cabeça: viveríamos no paraíso talvez. "É pecado matar, seu Pad

Conflito eterno de uma mente sem abrigo

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Campainha-azul, minha versão de manuelzinho-da-crôa É a pino o sol e a peleja arde no debaixo, flagelando o sertanejo e o jagunço. Até que em vistas surge um manuelzinho-da-crôa canelando na sombra boa de um galho dedado, e mesmo que por átimo pequeno, do açoite os homens se esquecem. O manuelzinho-da-crôa muitas vezes já sentivi e cada lembro das diferentes cores, andamentos e voamentos. Porque ave essa que Diadorim tanto admirava, pássaro não era em si o de voar ou bicar, mas o jeito de ser e um ser visto que não se barrava só nos olhos, senão no sentir daquilo que tu se procura não achas, vez que um, paz só pode sentir quando do contraste da guerra que era alta e de repente se recolhe, na serenidade daquela avezinha em balé de graça alheio à baleira. Avezinha de cantarilhar ecoado, que quase não se ouve e quando sim é forma diminuta no quadro de guerra à frente. Há que se esquecer do chumbo, do aço e do sangue e vistas cerrar em pontinho azul e amarelo na árvore. A pois que a beleza

Hounds reclusos

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Muito que achei saber, espanto e até meio rubor tive surpreendido pelo Rio Samburá. Sendo esse a verdadeira nascente do Velho Chico, ali nos Medeiros, não no alto-da-serra. Samburá é mais espichado, dizem os geógrafos e certos estariam não fosse a aura do rio que escorre. Rio-santo, que em tendo nome de São e banhando o Bom Jesus na Bahia, a Abadia no Porto e tantos outros, nascente sua não se mede por espicho, mas por lonjura daquilo que profano é. Pouco que se vê de gente ali naquelas veredinhas de águas frias, ventania sem descanso, sol sem sombra no sertão quieto da Canastra. Um que de manhãzinha inconsciente caia aos pés da frenética Lagoinha na capital, e acorde trazido para a beirinha do pé de São Francisco deitado sobre as flores da serra velha, no paraíso de Nosso Senhor acharia estar. Nu em pelo, ali se encontram campeiros, bandeiras, guarás e canastras. Nu sem pelo, ali um léguas poderia nadar, sem outro semelhante topar. As treze poderia jantar e as vinte almoçar, sem que

Ô peão

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Primeiro morreram-lhe o empreito e o cavalo, agora matam-lhe a choupana e o respeito. Pois que sertão não são as aroeiras e gabirobas, mas sim as raízes do pensar que transcende o próprio peão, na sua parte de elo da corrente invicta desde o Padre Feijó. São as encruzilhadas que formam o sertão, cruzadas por peões que em círculos trotam para dele nunca sair.  Este peão aqui, reto decidiu adiante ir. Amigo de Sesfredo e Fafafa meia légua adiante mora. Meia que ligeiro se vence, à trinta não tarda estará. Violeiro de querer-muito, sem cordas sempre sons tinou na imaginação. Air-violeiro embora se vai, porque viola sua não toca mais "Caminheiro" nem "Fogão de lenha". Agora é peão sem sertão. A fogueira, a noite Redes no galpão O paiero, a moda O mate, a prosa A saga, a sina O causo e onça Tem mais não Ô peão

Not-Furya, but BSB

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Overlord é o codinome da mais soberana de todas as operações de guerra: a invasão da Normandia em 1944. Incontáveis histórias foram escritas, narradas e filmadas sobre tal batalha no norte da França. Das películas, para minha geração a mais marcante foi "O resgate do soldado Ryan", de 1998, onde havia um certo soldado chamado Adrian Carpazo. Meu avô não lutou na Segunda Guerra Mundial, mas teve seu primeiro filho na década de 1950, assim como dezenas de outros milhões de ex-soldados no ocidente. Criando bebês que os norte-americanos chamavam de "boomers". Aqui na roça faltam cinemas ainda hoje, quem dirá nos idos da segunda república. Pai e avô meus, provavelmente viram filmes sobre a Overlord juntos, talvez "Agonia e Glória" (1980) ou "O mais longo dos dias" (1962), na TV é claro. Nada de telona.  A invasão de praias com longas faixas de areia, cercadas de dezenas de aldeias charmosas, com adegas abarrotadas de vinhos e a poucos quilômetros de P

O sertão sem Luar

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Acho que nem inhambu descansa-me, de menos um galo triste. Não sou lua nem Luiz Gonzaga, sou é eu e este segundo ano da peste onde nada irá prosperar. Nada! Em terras que minhas ainda haverão de ser, sendo no hoje de guarda onerosa por dever, grotas são três. Nascentes em terras bem altas, groteabrindo até lagoas em brejos menos altos. Brejinho onde lontra é mato e este é braqueara com ocos de tatu. Ali na noite, onde o que pia é o curiango, inhambu-sururina não se ouve e o que se vê é o branco já transalmado da minha besta ruana, a Russa. Por 33 anos naqueles pastos ela prosperou, mas duas pestes por sobre a mãe de todas as faltas d'água, fez minha Russa não ver outro janeiro. Matei ela com dois peões, quem me dera ter uma garrucha. Antes e depois chorei de tristeza. Russa que para os seus, com 33 anos estava para Matusalém. Não para Cristo. Cruz que vejo sendo carregada nessa história, pesa sobre minhas costas. Malungo que sou, na idade do Filho do Senhor. "Não fiques triste

Bandoleiros à procura de pingos de ouro nas noites escuras de terror

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Sapinho-pingo-de-ouro, como ficastes oculto por tanto tempo? Pois que oculto em partes, não visto por certos espectros, enquanto bem notado por outros. Não visto pelos catálogos de biólogos, que só lhe determinaram nova espécie neste segundo ano da peste, às margens da maior selva de pedra do hemisfério sul. Pasmo! Como não o notaram antes? Tocado o foi por índios, colonizadores e brasileiros que não lhe deram muita diferenciação, sem importância o tomaram. No que se diferencia, somente olhos atentos e equipamentos de raios DNA poderiam mesmo enxergar: placas ósseas irregulares e genes diferenciados. É uma nova espécie, que vive por debaixo das folhas da mata atlântica paulistana, da metrópoles.  E sapo é o quê? Nem só da terra, nem só da água. Nem do mar e correntes de rio; nem das areais e dos meios. Serzinho das bordas que estes separam. Brejos e lagoas com barrancas de argila. Folhagens cheias de água que a pele hidrata, nunca afogado no líquido ou longe demais deste. Pensando nas